segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Terapia de Reidratação Endovenosa

Como comecei esse blog escrevendo sobre os distúrbios eletróliticos é mais do que sensato parar um pouco para descrever a terapia de reidratação endovenosa. Visto que essa terapia é sem sombras de dúvidas importantíssima no tratamento dos distúrbios de água (desidratação). Portanto, vamos lá. 
A terapia de reidratação endovenosa consiste em três fases com objetivos terapêuticos distintos.

1º fase: Reparação ou expansão
É a primeira fase do tratamento e objetiva o reestabelecimento rápido dos níveis normais de água e eletrólitos. A escolha da solução a ser utilizada depende de alguns fatores e pode variar de serviço para serviço. As soluções isotônicas, de um modo geral, podem ser sempre empregadas, sendo o soro fisiológico a solução de eleição nas desidratações hipotônicas, onde a administração rapida de fluidos hipotônicos pode levar ao desenvolvimento de edema cerebral. Por outro lado, a não utilização de glicose nessa fase aumenta o risco de hipoglicemia o que sugere a associação de soro glicosado + soro fisiológico. Por fim, em paciente com acidose metábolica grave, a administração de solução salina pura pode agravar a acidose, pela maior diluição do bicarbonato plasmático, estando neste caso mais indicadas as soluções contendo bicarbonato ou seus precursores, como o lactato.
Desse modo, após a escolha da solução e após a pesagem do paciente, inicia-se a expansão com volume e velocidade controlada, reavaliando-se o paciente a cada hora. Em função dessa avaliação e dependendo da intensidade da depleção, a velocidade de expansão poderá ser reduzida ou repetida na velocidade inicial se o sinais de desidratação grave persistirem.
Na desidratação hiponatrêmica com hiponatremia grave, preconiza-se a administração de NaCl a 3%
Na presença de acidose metabólica grave, pode-se, mesmo na ausência de gasometria, utilizar uma solução composta de sete partes de SG5%. quatro partes de SF e uma parte de bicarbonato de sódio a 3%. O volume e a velocidade de infusão são os mesmo descritos para a solução de expansão.
A fase de reparação termina quando desaparecem os sinais clínicos de desidratação e quando o paciente apresentar duas micções com urina clara, desde que sejam afastadas outras causas de poliúria.

2º fase: manutenção
Essa fase tem por objetivo repor as perdas fisiológicas normais de água e eletrólitos do paciente. As quantidades de água, eletrólitos e glicose necessárias para a manutenção em 24 horas são estimadas em função da atividade metabólica provável.

3º fase: Reposição:
Esta fase visa à reposição das perdas anormais continuadas de água e eletrólitos. A estimativa das perdas diarreicas ao longo de 24 horas é variável e, portanto, o volume e a composição da solução de reposição devem ser continuamente reavaliados ao longo da terapia de hidratação. Via regra, na reposição das perdas fecais em diarreias leves e moderadas, utiliza-se solução de partes iguais de SG 5% e SF. Nas diarreias mais intensas, que necessitam volumes de reposição maiores, normalmente faz-se necessário uma proporção maior de SF na solução, podendo-se até utilizar SF exclusivamente. O nível sérico de sódio será determinado da melhor proporção de SF na composição dessa solução. O soro de reposição é infundido ao longo de 24 horas, juntamente com a solução de manutenção descrita previamente.

Segue agora um video sobre como realizar uma venóclise:

Distúrbios eletrolíticos - sódio

 
Distúrbios de sódio


Hiponatremia


Conceito: caracterizada por Na + sérico < 135 mEq/l, assume maior gravidade em situações  em que os níveis de sódio encontram-se abaixo de 120 mEq/l, ocasião em que necessita de correção imediata e cuidados. É o distúrbio eletrolítico mais comumente encontrado em pacientes instáveis, podendo ser decorrente de uma série de condições, tais como:

            Osmolaridade plasmática normal (pseudohiponatremia) – Huperlipidemia e hiperporteinemia;
            Osmolaridade plasmática aumentada (hiponatremia dilucional) - hiperglicemia, manitol, glicerol e contrastes radiológicos;
            Osmolaridade plasmática baixa (hiponatremia verdadeira) – 1. Com urina muito diluída (baixa ingesta proteica, aporte excessivo de água); 2. Urina com diluição normal ou reduzida: 2.1 Hiponatremia normovolêmica: hipotireoidismo, insuficiência suprarrenal, doenças neurológicas, etc; 2.2 Hiponatremia hipovolêmica: perdas extrarrenais e perdas renais; 2.3 Hiponatremia Hipervolêmica: Insuficiência cardíaca congestiva (ICC), síndrome nefrótica, cirrose hepática.

Hipernatremia

Conceito: Caracteriza por Na+ sérico > 145 mEq/l, costuma assumir mais gravidade quando os níveis de Na+ ultrapassam 150 a 155 mEq/l, com grande potencial de mortalidade e risco de sequelas. Está sempre associada à hiperosmolaridade plasmática e normalmente é causada por um déficit de água ou aporte excessivo de sódio, podendo cursar com hipovolemia, normovolemia ou hipervolemia.
Independentemente do fato casual, o aumento da concentração de sódio no plasma acarreta desvio de água do compartimento intracelular para o extracelular, situação particularmente grave quando se considera o SNC, onde a hipertonicidade nos capilares sanguíneos frente à barreia hemato-encefalica leva a um desvio de água do líquor, do interstício cerebral e dos neurônios, com consequente ingurgitamento vascular e desidratação neuronal, sendo comum o desenvolvimento de hemorragias e fenômenos trombóticos.

Diagnóstico clínico: deve-se suspeitar da Hipernatremia e hiperosmolaridade em qualquer paciente com alteração do estado mental e história sugestiva de déficit de água ou aporte excessivo de sódio, embora muitas vezes o diagnóstico de Hipernatremia seja um achado da pesquisa de eletrólitos realizada de rotina. Quando há sintomas, estre predominantemente ligados ao SNC, podendo ocorrer irritabilidade, confusão, convulsões, torpor, coma e outras alterações decorrente de eventuais hemorragias e tromboembolismo. Por outro lado, a estimativa clínica da volemia é essencial para a correta abordagem diagnostica e terapêutica, devendo=se sempre avaliar se o paciente encontra-se normovolêmico, hipovolêmico ou com sinais de hipervolemia.

Tratamento: independentemente da causa, a hiperosmolaridade determinada pela Hipernatremia implica sempre em um déficit de água. Quando o paciente está lúcido e com mecanismo de sede preservado, normalmente o aumento natural da ingesta de água por via oral é capaz de equilibrar o quadro. No entanto, nos casos graves sintomáticos ou na impossibilidade ou inadequação da reposição oral, é necessária a reposição venosa do déficit de água que pode ser calculado através da formula: Déficit de água (em L) = peso x 0,6 x [Na + - 140) /140]
Em pacientes com Hipernatremia a mais de 48 horas ou em caso de duvidas sobre o período de instalação do quadro, essa reposição não deve ultrapassar a metade do déficit calculado nas primeiras 24 horas, face ao risco de edema cerebral e deterioração do quadro neurológico associado a reposições rápidas. De modo geral, recomenda-se não reduzir a natremia em mais do que 0,5 a 1,0 mEq/l por hora devido ao risco de desvio abrupto de água para o interior dos neurônios, resultando em edema cerebral, hipertensão intracraniana e suas potencias complicações.
Se o paciente está normovolêmico, pode-se acrescentar o déficit de água a hidratação de manutenção na forma de soro glicosado a 5%, com concentrações de sódio na faixa de 20 a 30 mEq/l. Se há choque (hipovolemia) prioriza-se a reposição de volume, que pode ser feita com 40ml/kg de soro fisiológico 0,9% em 1 hora ou colóides. Se houver suspeita de edema cerebral por correção rápida, pode-se usar o manitol até de 2/2h. Se há hipervolemia, deve-se facilitar a excreção de solutos através da administração de diuréticos, como a furosemida, repondo-se as perdas urinais adicionais de água. Nos casos de insuficiência renal, indica-se dialise ou hemofiltração.
Naturalmente, deve-se buscar sempre o tratamento da causa básica da Hipernatremia, como por exemplo, a administração de vasopressina no diabético insipido de origem central; clorpropamida e tiazídicos no diabetes insipido nefrogênico; etc.

 Fonte: BARBOSA, A. P. Distúrbios eletrolíticos. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, 1999.


Distúrbios eletrolíticos - água


Distúrbios eletrolíticos

A manutenção de um equilíbrio hidroeletrolítico adequado faz parte dos cuidados básicos de atenção a qualquer paciente, instável ou não, independentemente de sua doença de base. Daí a importância de eu ter escolhido esse assunto para ser o primeiro post do blog.

Distúrbios da água 

Desidratação

Conceito: concentração do volume extracelular secundária à perdas hidroeletrolíticas, cuja gravidade irá depender da magnitude do déficit em relação às reservas corpóreas e de relação entre o déficit de água e de eletrólitos, principalmente do sódio. 

Classificação:

1 - de acordo com a magnitude do déficit de água, estimada através de sinais clínicos e pela perda ponderal.

            Leve ou de 1º grau: perdas de até 5% do peso (EG: irritada, com sede, dorme mal e pouco; Boca: seca, lábios vermelhos, língua seca e saburrosa; Pele: quente, seca; Déficit estimado: 25 a 50 ml/kg)
            Moderada ou de 2º grau: de 5 a 10% do peso (EG: mais agitada, muita sede, raramente dorme; Boca: muito seca, lábios às vezes cianóticos; Olhos: fundos; Lagrimas: ausentes; Fontanela: deprimida; Pele: extremidades frias e elasticidade diminuída; Pulso: Fino; Enchimento capilar: lentificado; Déficit estimado: 50 a 100 ml/kg);
            Grave ou de 3º grau: maior que 10% do peso (EG: deprimida, comatosa; Boca: lábios cianóticos; Olhos: muito fundos; Lágrimas: ausentes; Fontanela: muito deprimida; Pele: fria, acinzentada, elasticidade muito diminuída; Pulso: muito finos; Enchimento capilar: muito lentificado (mais de 10s); Déficit estimado: > 100 ml/kg).

2 – de acordo com o nível sérico do sódio resultantes dessas perdas   
     
            Desidratação isotônica ou isonatrêmica: caracterizada por sódio sérico entre 135 mEq/l e 150 mEq/l. Há uma depleção de sódio e água, com uma perda proporcional à concentração do fluido extracelular. Não há, portanto, gradiente osmótico entre os compartimentos intra e extracelular, sendo este o tipo mais frequente de desidratação.
            Desidratação hipotônica ou hiponatrêmica: caracterizada por sódio menor que 130 mEq/l. Há uma depleção de sódio e água, porém com uma perda proporcional excessiva de sódio em relação à perda hídrica. Gerando um gradiente osmótico com consequente movimentação de água do espaço extracelular para o espaço intracelular, o que agrava os sinais e sintomas da desidratação.
            Desidratação hipertônica ou hipernatrêmica: caracterizada por sódio sérico maior que 150 mEq/l. Há depleção de sódio e água, porém com uma perda proporcional maior de a´gua. Há, portanto, gradiente osmótico, sendo que a maior tonicidade do meio extracelular leva a desidratação celular com graves sintomas secundários, principalmente ao comprometimento do SNC.

Tratamento

O princípios gerais do tratamento são os mesmos independentemente da etiologia da desidratação, deve-se apenas levar em consideração o grau das perdas de água (gravidade) e o nível de sódio (tipo de desidratação), não se esquecendo de que outros distúrbios eletroliticos e metabólicos poderão estar presente, merecendo atenção especial o equilíbrio ácido-base e os níveis de potássio.
De um modo geral, a desidratação leve e moderada pode ser tratada através de via oral, TRO, reservando-se a via parenteral para os casos mais graves, para a correção dos distúrbios eletrolíticos severos e para aqueles com vômitos incoercíveis ou com perdas continuadas muito intensas.